Refluxo Gastroesofágico (DRGE): Tratamentos e Considerações Cirúrgicas

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Dr. Marcelo Souto

Explore a anatomia do esôfago, fatores desencadeantes, diagnóstico e uma ampla gama de tratamentos para o refluxo gastroesofágico (DRGE). Desde mudanças no estilo de vida até opções medicamentosas e cirurgias, saiba como lidar com esse problema de saúde comum.

Índice de Tópicos:

  1. O Esôfago e sua Anatomia
  2. Fisiologia e Patologia do Refluxo Gastroesofágico
  3. Hérnia de Hiato e seus Sintomas Associados
  4. Diagnóstico e Avaliação da DRGE
  5. Tratamento Não Medicamentoso
  6. Medicamentos para DRGE
  7. Cirurgia Antirrefluxo e Outras Opções

O Esôfago e sua Anatomia

O esôfago se inicia no pescoço, na porção mais inferior da faringe, com a laringe (órgão da voz) e a traqueia (que conduz o ar até os pulmões) à sua frente. Não possui ação digestiva, conduzindo o alimento ao longo do tórax até o estômago, logo abaixo do diafragma já dentro do abdome. O diafragma é um músculo plano, em forma de cúpula, envolvido na respiração, com um orifício (hiato) pelo qual passa o esôfago.

Fisiologia e Patologia do Refluxo Gastroesofágico

Existem episódios curtos de refluxo após a alimentação que são considerados fisiológicos, ou seja, normais. O refluxo patológico está associado a sintomas e lesões no esôfago, e sua prevalência no mundo ocidental é entre 10 e 20 %.

Os principais mecanismos para prevenir o refluxo são o esfíncter esofagiano inferior, um músculo circular na transição entre o esôfago e o estômago, que permanece contraído impedindo que o conteúdo do estômago reflua, e que se relaxa com a deglutição de alimentos. Este músculo atua em conjunto com uma prega na transição gastroesofágica e a ação dos pilares diafragmáticos sobre o esôfago.

O esvaziamento de qualquer conteúdo refluído pela contração dos músculos do esôfago e a ação da saliva neutralizando o ácido contribuem para eliminar os potenciais danos causados.

Hérnia de Hiato e seus Sintomas Associados

A fraqueza no hiato esofágico gera um alargamento na região com consequente “subida” do estômago para a parte inferior do tórax, o que chamamos hérnia de hiato, situação que facilita a ocorrência de refluxo. A obesidade também é um fator de risco.

Os sintomas principais são a pirose (queimação) atrás do esterno, o osso do peito, e a regurgitação, que é a percepção de refluxo de conteúdo gástrico para a garganta. Este conteúdo é ácido, contendo fragmentos de alimento não digerido.

Outros sintomas são dificuldade para engolir ou sentir o alimento “preso” no peito, dor atrás do esterno, salivação excessiva, engasgo ou sensação de “bola” na garganta, dor ao deglutir, bem como sintomas chamados extra-esofágicos como tosse crônica ou asma refratária, rouquidão, desgaste do esmalte dentário.

A dor pode simular um infarto do miocárdio, sendo a isquemia cardíaca um importante diagnóstico a excluir. Náusea não costuma ser associada a doença do refluxo gastroesofágico (DRGE).

Diagnóstico e Avaliação da DRGE

O quadro clínico típico indica o diagnóstico, podendo ser iniciado tratamento empírico. Porém atenção deve ser dada para identificar outras doenças, algumas graves, que podem causar sintomas similares.

Existem sinais de alarme e critérios que demandam a realização de endoscopia. São eles idade >60 anos, sangramento intestinal, anemia por deficiência de ferro, saciedade precoce, perda de apetite, emagrecimento não intencional, dificuldade ou dor para deglutir, vômitos frequentes.

Pode se considerar endoscopia também a partir dos 50 anos, presença de refluxo há mais de 5 anos, tabagismo, obesidade, sexo masculino. Nos casos que não realizaram endoscopia e que não houve melhora dos sintomas após 8 semanas de tratamento, também é indicado o exame. Em aproximadamente 30 % dos pacientes é encontrada na endoscopia esofagite, com erosões na mucosa, recebendo uma graduação.

Podem ser encontrados estreitamentos (estenose péptica), alterações na mucosa (esôfago de Barrett) ou outros diagnósticos diferenciais. A manometria esofágica mede as pressões ao longo do esôfago durante a deglutição. Este exame pode identificar alguns achados típico da DRGE como diminuição do tônus do esfíncter esofagiano inferior e indicar outros diagnósticos como doenças da motilidade esofágica ou acalasia, além de ser fundamental para programação do procedimento ao se indicar cirurgia antirrefluxo.

Também é utilizado para posicionar os sensores da pHmetria. A pHmetria mede o pH (identificando episódios de acidez) no esôfago, apoiando a confirmação do diagnóstico e acompanhamento os resultados do tratamento. Comumente o exame dura 24 horas. O exame de raios-x contrastado esôfago, estômago e duodeno (REED) pode delimitar a anatomia da transição esôfago-gástrica e identificar hérnia de hiato, além de outros sinais de DRGE ou identificar outros diagnósticos, como acalasia e divertículos de esôfago.

Outros diagnósticos para este quadro clínico são esofagite infecciosa (herpesvirus, citomegalovírus, Candida), esofagite por medicamentos, esofagite eosinofílica, bem como tumores e doenças da motilidade.

Tratamento Não Medicamentoso

Existem intervenções não medicamentosas que podem ajudar o paciente com DRGE.

  • A perda de peso em pacientes com sobrepeso ou aumento recente de peso.
  • Elevar a cabeceira da cama, com uso de apoio ou calço sob os pés da cama ou sob o colchão – não aumentar somente o número de travesseiros.
  • Evitar deitar-se após as refeições, bem como evitar comer pelo menos duas horas antes de ir dormir.
  • Evitar alimentos que desencadeiam os sintomas, como café ou chá contendo cafeína, chocolate, chimarrão, alimentos apimentados, alimentos com alto teor de gorduras, bebidas gaseificadas. Existe certa variabilidade individual em quais alimentos desencadeiam sintomas.
  • Evitar bebidas alcoólicas.
  • Cessar o tabagismo.

Medicamentos para DRGE

Antiácidos como sais de magnésio, hidróxido de alumínio e carbonato de cálcio podem ajudar a aliviar sintomas nos quadros mais leves, sendo de uso intermitente. Podem causar diarreia e distúrbios hidreletrolíticos, não sendo recomendados em quem tem problemas renais.

O alginato e o sucralfato são agentes de superfície, que aderem à mucosa e a protegem. São seguros na gestação e podem ser acrescidos ao tratamento de pacientes refratários, ou seja, que não atingiram controle com o tratamento padrão. O alginato pode ser útil para sintomas que ocorrem após refeição.

Os antagonistas de receptor H2 são ranitidina e famotidina e diminuem a secreção ácida pelo estômago. Tem início mais lento de ação e mais duradouro que os antiácidos, porém após várias semanas de uso pode ocorrer tolerância ao seu efeito. Os inibidores de bomba de prótons são os mais potentes supressores da secreção ácida pelo estômago e com melhor controle dos sintomas. Essa categoria inclui o omeprazol, pantoprazol, deslansoprazol, esomeprazol, dentre outros. Para maior efeito, devem ser ingeridos em jejum, meia hora antes ou duas horas após a refeição, diariamente.

Devido ao uso indiscriminado, alguns efeitos adversos passaram a ser relatados. Ainda que o impacto seja discreto, seu uso contínuo gera um pequeno aumento na presença de bactérias como Clostridioides e outras Enterobactérias resistentes, alterações na absorção de magnésio e vitamina B12, hipergastrinemia e gastrite atrófica, colite e doença inflamatória intestinal.

A associação com demências e pneumonia é controversa na literatura médica. Dito isso, convém tentar a redução ou retirada da medicação após 8 semanas com os sintomas controlados. Os bloqueadores de ácido competitivos de potássio como a vonoprazana são medicações mais recentes, com inibição potente da acidez, e que podem ser alternativas em casos refratários.

Cirurgia Antirrefluxo e Outras Opções

A cirurgia antirrefluxo consiste em utilizar uma região do estômago chamada fundo, que forma um bojo lateral ao esôfago, para fazer uma “gravata” ao redor do esôfago, por isso recebe o nome de fundoplicatura, e é realizada por videolaparoscopia, ou seja, minimamente invasiva. Após a alimentação, a distensão do estômago aperta a gravata impedindo o refluxo.

Além disso, na presença de hérnia de hiato esta é corrigida, auxiliando no mecanismo antirrefluxo. Temporariamente pode ocorrer uma dificuldade para deglutir alimentos sólidos bem como incapacidade de eructar (“arroto”), devido ao ajuste da fundoplicatura. Pode-se considerar a indicação de cirurgia quando ocorre melhora parcial dos sintomas com uso de medicamentos e medidas não-medicamentosas, com diminuição da queimação e persistência da regurgitação.

O desejo de evitar o uso contínuo de medicação supressiva da acidez gástrica também reforça a indicação, porém uma parcela de pacientes operados pode retornar ao uso da medicação. Outra pequena parcela de pacientes pode necessitar revisão da cirurgia, por dificuldade de deglutir ou retorno dos sintomas de refluxo, por ruptura da plicatura ou migração com retorno da hérnia de hiato. Já em pacientes que não respondem ao tratamento medicamentoso não é claro o benefício, merecendo discussão sobre a validade de indicar cirurgia.

A presença de esofagite erosiva grave (classificação de Los Angeles na endoscopia de “C” ou “D”) ou estreitamento do esôfago favorece a realização da cirurgia. Já a presença de alteração na mucosa do esôfago (esôfago de Barrett) não é obrigatoriamente de tratamento cirúrgico. Os sintomas extra-esofágicos como tosse, asma, rouquidão, erosão do esmalte dentário podem melhorar com a fundoplicatura. Todo paciente candidato à cirurgia deve realizar endoscopia digestiva alta e manometria esofágica.

A maioria também faz pHmetria de 24 horas, que documenta objetivamente o refluxo através de um escore (escore de DeMeester) e pode ser utilizado para o acompanhamento pós-operatório. Em pacientes com DRGE e obesidade, pode ser considerada a cirurgia bariátrica do tipo by-pass gástrico (gastroplastia com derivação intestinal), procedimento que elimina a presença de refluxo ácido para o esôfago. Já a cirurgia bariátrica do tipo sleeve ou gastrectomia vertical pode favorecer a ocorrência do refluxo, ainda que o emagrecimento possa contrabalançar esse efeito, não sendo indicada em DRGE grave.

Durante a realização da fundoplicatura, diversos passos técnicos exigem atenção do cirurgião, como dissecção do esôfago para trazer todo o conteúdo de uma eventual hérnia do tórax para o abdome, utilizar somente a região do fundo do estômago e fazer a plicatura sobre o esôfago, preservando os nervos vagos anterior e posterior. A ocorrência de complicações precoces é muito rara e a recuperação é rápida. O tratamento endoscópico por radiofrequência (Stretta) ainda está em avaliação, com resultados mistos, sendo pouco utilizado no nosso meio.

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